Nosso novo filme SOAP 400 causou o maior rebuliço nas redes sociais e teve muita gente que veio nos visitar só para espiar de perto!

O mercado internacional não lançou nenhum filme, então como um laboratório no Brasil seria capaz de fazer isso?

Conhecimento que não estÁ no Reddit 

Bom, tem muita história por trás, mas o principal precursor dessa ideia é a informação, o estudo, curiosidade e experimentação, além de, é claro, nossa vivência diária com filme.

Vamos começar puxando os filmes de cinema para essa conversa, o Kodak Vision III 250D e o 500T, os quais tenho mais experiência. Existem características nesses dois filmes que não vejo ninguém falar, ninguém mesmo, em nenhum lugar do mundo - não tá no reddit (risos), mas quem frequenta nosso laboratório já me ouviu falar. Se você está chegando agora por aqui e quer saber mais sobre como ir além das informações que estão nas bobinas desses filmes, criamos esse espaço para conversarmos mais abertamente sobre o que temos descoberto durante todos esses anos.  

Um pouco de prática de laboratório…

Fachada do nosso lab fotografado no filme SOAP 400

Todo filme de cinema precisa ser revelado em químico ECN-2, em 3 minutos e a 41° tal qual uma receita de bolo. Se eu o revelar em 38°, a temperatura adequada para filmes que utilizam o químico C-41, esse filme ganhará um grão fino e perderá um pouco de saturação e contraste, pouca coisa, mas certamente não ficará subexposto. Existem consequências quando mudamos um pouco a fórmula que se tornam nossos objetos de estudo. 

Se você fotografar esse mesmo filme empurrando mais 1 ponto (exemplo: 250D em iso 500) e eu revelar em 41° em tempo normal de 3 minutos, a relação é a mesma: grão fino, pouco contraste e saturação. Por outro lado, se você fotografar puxando 1 ponto (exemplo: 250D em iso 100) o filme ganhará saturação e grão fino, ficando muito mais parecido com um filme colorido C-41. Porém, se você fotografar em iso nominal (o que está na embalagem) e eu revelar puxando +1 ponto, quase nada muda, é imperceptível nas fotos bem expostas.  

Com base nessa minha experiência, eu sempre aconselho à pessoa que está na dúvida se subexpos fotos do rolo, a pedir para o laboratório que empurre +1 ponto. Dessa forma, fotos com a fotometria correta não vão sofrer qualquer impacto e, o mais importante, vamos ter a chance de recuperar aquelas que ficariam subexpostas.

Essa combinação do químico ECN-2 e filme de cinema nos entregam muita flexibilidade, tanto na hora de fotografar quanto na hora de revelar. A qualidade da emulsão desses filmes são muito superiores aos filmes fotográficos "normais" disponíveis hoje no mercado, não à toa Hollywood usa esses mesmos filmes nas grandes produções ainda hoje. Porém, para tirar proveito disso, é preciso utilizar o químico apropriado. 

PIONEIROS DE VÁRIOS PROCESSOS

Nós fomos os primeiros a desenvolver a fórmula correta e a revelar filmes de cinema no químico original Kodak ECN-2 no Brasil. Temos muito orgulho de dizer que esse é, o maior fruto de nós sermos os usuários mais assíduos de filmes de cinema para fotografia, tendo fotografado e revelado milhares de filmes nossos apenas por vontade própria, por gostarmos de fotografia analógica e por vivermos essa paixão nas nossas vidas de maneira honesta e intensa muito antes de pensarmos em abrir um laboratório. Em pouco tempo nós também nos tornamos quem mais vendeu filmes rebobinados de cinema em todo o Brasil. Por essa trajetória pessoal e intransferível que ficamos conhecidos como os maiores defensores deles na comunidade analógica. Essas conquistas acompanham muitos estudos e dedicação, por nós mesmos e nossas memórias - o que sempre nos levou além. 

Outros laboratórios ainda hoje utilizam químicos alternativos que não alcançam essa qualidade e flexibilidade e esse foi, no nosso entendimento, um jeito prático de revelar a película de cinema utilizando algo mais parecido com o químico original ECN-2 e com um menor impacto quando comparado ao resultado que o químico tradicional C-41 entrega para os filmes de cinema (menos flexibilidade, mais contraste e perda de latitude). Adaptação essa teve papel importante para a popularização desses filmes no Brasil. Mas, costumo dizer que o filme/químico C-41 não perdoa e a exposição na hora de fotografar tem que ser a correta, assim como a revelação. 

VELHA ROUPA COLORIDA

Vamos elucidar o que acontece hoje pegando o exemplo da Cinestill. A maioria dos laboratórios no mundo não utiliza ECN-2 original e revela filmes de cinema com o químico C-41 e, como resultado, se tem fotos de dia muito contrastadas e fotos a noite subexpostas. Alem disso, o filme Cinestill por si só, é vendido como um filme de ISO 1 ponto acima do nominal, ou seja, os fotógrafos desse filme estão subexpondo suas fotos por uma escolha estratégica da marca para que o filme possa ser revelado em C-41 e, consequentemente, ter mais opções de revelação e ser melhor aceito em laboratórios mundo afora.

Essa estratégia de remover o remjet e aumentar um ponto o ISO ao vender um filme que todos sabem qual é, confere facilidade na hora de encontrar quem revelar, mas perde qualidade nas fotos tiradas. Além do fato de um filme Vision III 500T comum ainda ser vendido por um valor mais alto. A mesma coisa acontece com filmes Lomo e tantas outras marcas que não fabricam filmes, apenas pegam filmes de um fabricante e colocam suas marcas e um apelo publicitário forte para um certo nicho de pessoas alvo. Não falam a verdade e não deixam nada como contribuição.

Basta uma marca de roupas adesivar filmes FUJI para as pessoas desejarem experimentar o "novo" filme, ainda que o novo seja exatamente o mesmo com uma outra roupagem e comercializado por quem não tem identidade e não está preocupado em construir nada. 

O que isso tudo tem a ver com o filme Soap?

Como laboratorista, quando descubro todas essas variantes possíveis dos filmes que eu revelo, muitas coisas ficam girando na minha cabeça dia e noite. Eu não sou uma pessoa que se prende a velhos ensinamentos e padrões. Aliás, muita coisa que criei e vivi nesse pouco tempo de laboratório entraram em conflito com o que uma galera mais experiente fala por aí, e é baseado nessa minha ousadia que deixo minha mente aberta para novas ideias.

E foi assim que um dia, enquanto colocava filmes no quarto escuro, me veio uma curiosidade de menino por experimentar algo novo.

"E se eu usar aquele filme que sempre fica estourado e fotografar em +2 pontos e revelar normal? Aposto que ele vai segurar!".

Coloquei esse filme na minha câmera e corri para fotografar, não fui muito longe e fotografei meu labotarório mesmo. Tenho certeza que muita gente irá se identificar com essa euforia.  

O que hoje eu estou apresentando ao mundo é o filme Kodak Ektachrome em ISO 400 revelado cruzado. Esse filme tem a base transparente, ou seja, ele é mais claro que os filmes negativos com base alaranjada, quando um filme é fotografado, a prata queimada pela luz reage com pigmentos e na revelação essa química se consolida. Se eu fotografar com ISO maior, vou estar reagindo menos os pigmentos, vou ter menos aberração de cores e a exposição pode ser que fique "normal", porque o filme em si é contrastado e com baixa latitude e geralmente o resultado fica super exposto quando revelado em iso nominal.

Foi emocionante vê-lo pronto saindo da minilab (C-41) e, como suspeitei, toda a informação estava lá no negativo! Quando digitalizado, ainda notei que em algumas partes ele estava super exposto, como a modelo debaixo de uma luz de teto na sala. Inacreditável, pensei. Será que eu consigo ISO's ainda maiores? Isso com certeza deixaria as partes sem luz mais escuras, mas já é algo novo para ser experimentado muito em breve. 

Chegou a hora de sair às ruas com meu novo filme!

Deixo os resultados para vocês conferirem e também compartilho com carinho a conclusão que cheguei, de que esse tipo de conhecimento só vem com a prática diária. Experimentar diferentes filmes para múltiplos resultados é gostoso demais, é verdade. Mas existem muitos resultados diferentes possíveis de serem alcançados utilizando o mesmo filme de sempre, indo muito além do que o fabricante informa. E se os filmes tradicionais de fotografia impõem um jeito de fotografar com eles, fazendo com que o erro seja muito mais evidente, nós estamos aqui para sair da caixinha e os filmes de cinema e sua latitude e flexibilidade ímpares são os maiores veículos para nos impulsionar a experimentar mais. 

  • FABIO TIRADO - Fótografo, laboratorista e CEO da S3Tstore

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